quarta-feira, 29 de junho de 2011

Da Essência

''Depois que a asa da morte já o roçou, o que parecia importante já não é mais; outras coisas que não o pareciam ser ou cuja existência era mesmo ignorada, passam a ter importância. O acervo espiritual dos conhecimentos adquiridos se desmorona como um fardo, e deixa ver a nu a própria carne, o ser autêntico que se escondia.
Foi este, desde logo; que eu pretendi descobrir: o ser autêntico, o velho homem; aquele que o Evangelho não queria mais; aquele que tudo, em torno a mim, os livros, os mestres, os meus pais e eu mesmo tínhamos tentado suprimir.
Desprezei, desde então esse ser secundário, aprendido, que a instrução desenhara por cima. Era preciso apagar estes elementos superpostos.E eu me comparava aos palimpsetos: gozava o prazer do sábio que, sob escrituras mais recentes, descobre sobre o mesmo papel um texto mais antigo, infinitamente mais precioso. Que era, afinal, esse texto oculto? Para lê-lo, não seria necessário, antes de tudo, apagar os textos recentes?''

Extraído de O Imoralista(André Gide)

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